A minha entrada foi “oficiosa” na câmara de Salvaterra de Magos. Os 11 anos de idade estavam feitos e, teve honras de ser recebido pelo então chefe de secretaria, João Segurado Santos que, me recomendou muito juizinho e cumprir os horários dos serviços da secretaria. Dias antes, a minha instrução primária tinha terminado, o exame da 4ª classe estava feito, e foi comemorado “pomposamente” com um grupo de outros rapazes, bebendo uma gasosa – pirolito -, na taberna do espanhol, na avenida principal da vila.
Naquele tempo, em 1956, era prática os filhos das famílias mais abastadas, continuarem os estudos, sendo encaminhados para o liceu; eram caminhos mais largos. À outra “malta”, esperava-os o trabalho duro do campo; da construção civil – dando serventia – ou a oficina. O balcão da loja, e o escritório de alguma casa agrícola , eram destinos reservados, a muito poucos. As raparigas, essas, para além do campo, lá iam sendo vistas na costura e, até nos serviços domésticos de alguma casa de família, eram as criadas de servir.
A minha entrada nos serviços da câmara, deveu-se porque meu pai, sendo funcionário naquela autarquia, como Servente de Limpeza -varria as ruas da vila, entre outros trabalhos, lá meteu uma “cunha” ao presidente, para eu não andar na ”moina” e sempre apurava a escrita. Os locais de arquivo do município,no sótão do edifício, bem cedo me atraíram. Sempre que podia lá passava algum tempo contemplando documentos da história da minha terra - Salvaterra de Magos. Para além de ajudar meia dúzia de funcionários da secretaria, todos se "penduravam" em mim, porque tinha uma letra bonita, diziam.
No piso inferior do edifício para além do posto da GNR, uma grande sala, que em tempos, talvez até 1945, foi o Talho Municipal, assim dizia uma placa em mármore branco, com esses dizeres. Aí, estava sob as ordens de Cassiano Oliveira na ajuda da feitura dos recibos da cobrança da água, e de José Luís Borrego, nos processos de contra-ordenações, pelos impostos devidos à autarquia, este também era canalizador. Um outro, mais velho de idade, José Miguel Borrego, também aí tinha local de trabalho, era Zelador Municipal. Pessoa respeitada e temida,pois fazia cumprir a lei na vila, e até algumas vezes ia às povoações do concelho - o seu transporte era uma bicicleta.
Não deixo aqui de registar uma situação muito desagradável que se passou comigo:
"Um dia, estavam as bancas do mercado municipal a serem demolidas,jogava eu com uma pequena bola de borracha, com alguns outros rapazes, que esperavam a hora da entrada para a Catequese. O Zelador José Miguel; multou-nos a todos.
A minha multa, foi paga por ele, após me dar grande reprimenda. Meu pai foi chamado à sua presença, tomando conhecimento da situação."
Naquele meu espaço de "trabalho" existiam duas balanças de metal amarelo, pareciam oiro. A um canto uma de porte grande,nela me pesei vezes sem conta, Uma outra muito pequena, com o braço “modelo romano” estava em cima de num armário, parecendo uma decoração. Umas pistolas, estavam guardas numa pequena caixa - parecia um cofre de madeira, trabalhada. Uns papeis envelhecidos, eram os processos dos crimes. As armas, algumas incompletas, com os tambores das balas rebentados, tinham uma etiqueta em cartão, onde um numero escrito à mão, identificava o processo. Ficaram à guarda dos Administradores que passaram pela autarquia. Alguns processos, datavam do século XIX.
Promessas recebi pelas ajudas dadas aos meus "protectores". Entre elas; que um dia iria ver o Benfica, jogar em Lisboa. A viagem não se efectuou por falta de transporte para mim. Uma outra, que iria ver um jogo do Coruchense, este clube participava numa divisão superior naquele tempo. Estive uma tarde toda à porta do Café Progresso (local do encontro) e quando a tarde já ia alta, fui informado que a deslocação não se efectuava. Tal era a minha submissão e ingenuidade. Enfim, outros tempos!....
O Zelador, José Miguel Borrego, nos dias de “aborrecimento familiar”, lá me mandava comprar uma lata de sardinhas à loja do Pedro Santos, e de caminho ali ao pé, um pão na Padeira de Lisboa. Uma pequena garrafa de vidro tinto vinha da Taberna do Morais. Este "manjar" era sempre depois dos colegas saírem para o almoço. Algumas vezes, petisquei um pedaço de pão e provei as sardinhas. Quanto às balanças, muitos anos depois, em 1978, fui encontrar a mais pequena, na inauguração do Centro de Dia decorando um móvel. Nunca mais a vi!....
Com o passar dos anos, na inauguração do Refeitório do Pessoal da Câmara, no bar, lá estava a outra “minha Balança de Oiro” bem conservada, mas já sem os pesos. Muito tempo estive “embevecido a admirá-la!...
Foram momentos de recordar velhos tempos. Uma outra balança em ferro, que vi pesar animais, em 1949/52, trabalho efectuado pelo funcionário Octaviano, depois do abate, no Matadouro Municipal.
Esta velhinha balança, que pesou muitas toneladas de carne, lá estava arrumada a um canto, talvez esperando um espaço num qualquer museu municipal.Talvez para um possível Museu, pensava eu!
JOSÉ GAMEIRO
Nota: Original – escrito para publicação no Jornal Vale do Tejo - JVT