Sexta-feira, 5 de Setembro de 2014
O resto do paço real de Salvaterra de Magos
Os mais antigos ainda não tinham esquecido, quanto foram terríveis incêndios de 1817 e 1818, no Paço Real pois a eles tinham assistido. Passados 50 anos, as gerações mais novas, também ouviam dizer que um Almoxarife tinha sido alvo de uma devassa, por maltratar tão querida relíquia da vila. O Palácio, já pouca importância tinha, a corte já não o frequentava, o esplendor vivido no séc, XVIII, era agora uma recordação. Já outros traumas tinham ditado quantos desgostos o povo chorava -O terramoto em Lisboa, de 1755, causou danos sem conta nesta terra, pois é pouco mais longe de cerca de 10 léguas A morte do Jovem Conde dos Arcos, num brinco taurino, perante um rei que ao ver tamanho quadro, disse: que jamais no seu reinado se realizariam corridas de toiros em Salvaterra. O Duque de Loulé, pai de família, esteve a assistir a um ensaio na Casa da Ópera, na noite de 28 para 29 de Fevereiro de 1824, saindo mais cedo, veio a ser encontrado caído num saguão, levando a sua morte a grandes intrigas, nos bastidores do pleito judicial.
Neste epilogo de tamanhas advertências do mal, estava decerto o desaparecimento daquele palácio, obra iniciada com tanto desvelo, e mais uma vez sofreu com o terramoto de 1858, que lhe destruir meia parede fronteiriça, arrastando-o para os horrores das labaredas, que até constava entre os Arautos, que aquele dia 11 de Novembro, novo ímpeto do Diabo, voltou a esta terra, que tão pegada estava à sua crendice religiosa.
Na véspera daquele dia festivo, após a missa das vespertinas na Igreja, foi a imagem de S. Martinho maravilhosamente rodeada de quantas flores bonitas foram colhidas nos campos, por mãos carinhosas das jovens de Salvaterra. Todo o dia era dedicado àquele santo, mas o infortúnio também consumiu a Casa da Ópera. Das grandes cozinhas ficaram três chaminés, . Por volta de 1849, estando o edifício das reuniões públicas do concelho, em estado de grande degradação, a rainha D. Maria II, faz doação do belo edifício, que ostentava o seu brasão em pedra, logo de seguida autoriza a cedência ao Estado de todos os prédios que fossem da Coroa, anos depois, muito daquele património foi vendido em haste pública, sendo muita da sua pedra aproveitada para calçar as ruas da povoação. Nos primeiros anos do séc. XX, ainda o povo assistia ao que restava dos seus escombros, a serem rebentados com explosivos, daquele se usa nas pedreiras .A Capela, foi conservada, mostrando a sua opulência de construção, e nas suas paredes o belo ex-voto o Milagre ocorrido num poço, na Horta do Palácio.
Nota: Texto composto a partir de notas retidas dos Livros "Revista A Hora - 1936" "Anais de Salvaterra- 1959" * "O Paço Real de Salvaterra de Magos - 1989" - "Jornal Aurora do Ribatejo" e outros documentos recolhidos pelo autor
JOSÉ GAMEIRO
Terça-feira, 2 de Setembro de 2014
Eram tempos de aperto, não só porque a fome apoquentava e se almejava saber mais, e as ” fontes “ eram de fraca oferta aqui em Salvaterra de Magos. naquele tempo, no inicio da década de 60 do séc. XX. Havia um escassa meia dúzia de jovens, e entre eles eu, que tinham acabado uns anos antes a escolaridade oficial, e queria saber mais. A noticia correu, e logo se esfumou de boca em boca. Um carro – biblioteca da Gulbenkian, uma iniciativa da Fundação criada em Portugal , pelo filantropo; Calouste Sarkis Gulbenkian, que fomentou a cultura em Portugal. Aquele pequeno carro vinha a Salvaterra uma vez por mês. Entre os mais interessados também se via um grupo mais zagalote, que não perdia ensejo, e todos de espera naquele dia aprazado, algumas horas no Largo da Câmara Municipal, à sombra do edifício da antiga escola.
Os grupos estavam separados a alguma distância, dava-nos conta um ou outro, que podia andar por ali alerta a policia politica, e os ajuntamentos eram uma “doideira” para todos. Lisboa, ficava a 50 Kms, que era uma infinidade de distância, para tempo de espera, e o carro vinha de lá manhã cedo, mas pelo caminho lá parava cerca de meia hora em várias localidade, para num ápice os leitores entregarem, escolherem nas prateleiras, ou encomendarem os livros que gostavam de ler, para virem na próxima visita. Que bom foi, muitos poderem passar a gostar de ler, assuntos e autores, que de outra maneira, não estavam ao alcance de alguns. Foi um bom inicio de cultura. O Estado Novo , entre muitas coisas de aperto, tinha na sua politica; o povo viver na ignorância, quanto menos cultura tivesse, menos sabia, menos exigia. Ainda se mantinha este estado de coisas, quanto numa madrugada de Primavera, de 1974, os capitães militares, em Abril trouxe ao povo, vida nova e novas formas de sonhar – era a sua liberdade, não houve convulsões e tiros, apenas nos canos das espingardas dos soldados se viram cravos vermelhos. O povo cantou – Grândola . Que sejas infinita!... JOSÉ GAMEIRO
Segunda-feira, 1 de Setembro de 2014
Quando eu, vivia a minha meninice, ouvia aos mais antigos que manifestavam o seu desagrado para com alguém que não tinha vontade própria, ou algum estado de pobreza mental, os acompanhava – lançavam-lhe um doidivanas; o mesmo que uma maria-vai-com as outras, designação que nos bastidores do Paço Real de Salvaterra de Magos, davam em surdina, à rainha D. Maria I, que aqui fez estadias, e teve os primeiros sinais de loucura, quando assistia a uma peça teatral, na Casa da Ópera, por volta de 1806, antes de embarcar para o Brasil.
O século XX, estava a meio, os nascidos em Salvaterra de Magos já com anos vividos em dois séculos, não podiam levar à paciência – serem chamados de “netos de D. Miguel”, enquanto os vizinhos de Benavente passavam por “Chichareiros” (1). Os dois povos em tempo de guerra entre Absolutistas e Liberais, tinham feito a sua escolha – dividiram-se. Os naturais de Salvaterra de Magos, apoiaram a causa de D. Miguel, até porque ele passava algum tempo no seu Paço Real, e na Coutada fazia passatempos de caça.
Uma curiosidade me mantinha astuto com aquelas delongas de âmbito pejorativo, entre pessoas que até vinham através dos tempos “juntando os trapos” em casamentos recíprocos. Um dia, tendo atingido a maior idade (segundo a lei portuguesa), e já colaborador no Jornal “Aurora do Ribatejo”, pus os pés ao caminho e de uma assentada, lá falei com a D. Maria Mendes, José Caleiro, Francisco Costa, D. Joaquina Mendes, D. Rosa Mendonça, entre outros.
Uma delas, num tom irónico, me disse: Olha lá rapaz, não te metas nisso, são coisas da história – “O nos chamarem, netos de D. Miguel, era porque o Infante, era um moço com ar de loução, e tinha a fama de homem femeeiro – gostava de moças bem feitas de corpo, e os peitos ali a saltitarem como se fossem laranjas” “era o que me dizia minha avó em surdina, a prevenir-me para não me expor muito aos mancebos”. Destes dois reis de Portugal, se folhearmos o maravilhoso livro titulado 1808, do cidadão brasileiro; Laurentino Gomes (que nasceu em Maringá – Paraná), extraímos lições do que foi a guerra entre os dois irmãos Miguel e Pedro, filhos do rei D. João VI, e lá encontramos narrativas escritas com os tais pejorativos, para os apoiantes dos dois lados da guerra da vilanfrancada.
Um conflito que levou à guerra civil, vamos deixar que as páginas da história portuguesa nos conte, até porque o rei D. Pedro quis que seu corpo fica-se em Portugal, mas o seu coração estava para os brasileiros. Não foi por acaso, que um dia disse: “Eu sei que o meu sangue é da mesma cor que os dos negros”, ele estava empenhado depois da Independência do Brasil, com a abolição da escravatura. O rei D. Miguel, perdeu a sua guerra, morreu no exilio !....
(1) – Um feijão de duas caras , que dava para fazer um acarajé, baiano
Foto D. Miguel extraído do Wikipedia
Nota: apoio – Anais de Salvaterra * Aurora do Ribatejo * e documentos recolhidos pelo autor
JOSÉ GAMEIRO