A minha primeira prenda de natal, decerto foi igual a de muitos meninos da minha geração.
Quando a II guerra mundial acabou, tinha 11 meses de idade. Ainda me lembro alguns anos depois, devido à fome que grassava no país, ser colocado pela minha avó materna, pelas 6,00 horas da manhã, na fila que já se formava, para abertura da loja do Francisco Henriques, junto à torre da Igreja Matriz. Na mão tinha uma lata para a compra de petróleo. A minha avó entregou-me à vigilância de uma senhora conhecida e, lhe entregou uma senha de racionamento, que tinha sido distribuída a meus pais, na junta de freguesia de Salvaterra de Magos. Outras crianças entre homens e mulheres, faziam a fila crescer.
A minha família, todos eles trabalhadores agrícolas, tinham de se deslocar a pé pela madrugada fora até ao local de trabalho e, estar lá quando o sol nascesse. Que penura de vida!!
Morava eu, onde nasci, na rua Heróis de Chaves, na casa onde anos depois foi a “Central das Carreiras”. Um belo dia ouvi a meus pais, estamos perto do Natal, o que vai ser o Menino Jesus da criança. Numa noite, vi meu pai ajudando minha mãe na confecção da massa dos “velhoses”, tapando o alguidar com um cobertor. Na noite seguinte, o cheiro a fritos, fez-me levantar da cama e, andar por ali perto, a curiosidade era imensa. Numa frigideira de azeite, pequenas bolas de massa, eram fritas.
Já não aguentava o sono. A tarefa de meus pais, também estava pronta. Minha mãe, diz-me – Ó Zé, vai buscar o teu sapato do lado direito, e coloca-o em cima do fogareiro, ( fogão a petróleo), pois o Pai Natal vem cá esta noite e desce pela chaminé. Vem cá trazer-te uma prenda. Ao cair na cama estava cheio de pensamentos gloriosos, ia ter uma prenda. O pai Natal tinha-se lembrado de mim.
Pela manhã, meu pai veio acordar-me e levou-me até à chaminé. Lá estava um grande embrulho, abriu-o de sofreguidão e, lá estava um ciclista de madeira. Era o meu primeiro brinquedo. Um ciclista de madeira, com as pernas presas às rodas, como se tivesse pedais, em cima de uma roda grande e um cabo. Antes de o mostar aos meus amigos, sei lá quantas vezes o ciclista atravessou a rua, de e para um pequeno espaço de terra (onde hoje, está uma Pastelaria).
Passei a empurrar o meu ciclista e vê-lo andar numa “doideira” que só eu compreendia.
Muito tempo depois, já quando andava na escola, as minhas prendas do Pai Natal, eram um par de meias. Era uma alegria !
Sabendo agora, que são as crianças que escolhem as prendas e, há Pai Natal por tudo quanto é sitio, que pena tenha de não encontrar “a minha bicicleta de madeira” para mostrar aos meus netos.
JOSÉ GAMEIRO
Há dias minha sogra, de 85 anos de idade, perguntou-me se o mês de natal estava perto.
Lá me foi dizendo, que a geração dela, não conhecia todo o ano, pelos nomes dos meses. Sabia e, ainda hoje o diz; o ano tem seis meses com santos (S.João, S.Tiago, S.Miguel, Piedade, Santos e Natal). Quando era nova, qualquer casal como era tradição na terra onde nasceu – Foros de Salvaterra, a festa do dia de Natal, resumia-se ao almoço em casa, quer a família fosse de muitos ou poucos filhos. O repasto, era à base de coelho ou galinha, animais criados para dias de algum relevo festivo. O dia de ano novo, era comemorado com o que restava da festa natalicia.
Dois ou três dias antes, depois da jorna de trabalho, noite dentro, algumas vizinhas ou familiares, juntavam-se em casa de uma e, ali faziam “vélhozes” e arroz doce. Os bolos era coisa desconhecida, para aquele povo rural. Como havia cozedura de pão, do resto da massa, faziam-se broas, as famosas “caralhotas” (massa, azeite, canela e açúcar) para as crianças, aliás era um doce que era feito todo o ano, quando o forno era acesso e havia pão cozido.
Na noite de natal e, quando o tempo convidava, todos os vizinhos, do canto onde viviam, em grande “ajuntamento”, a pé com velas acesas, por estradas de areia, muitas vezes atravessando pinhais, lá iam noite fora, em romaria (tocando e cantando), fazer entrega das lembranças, aos seus familiares, especialmente aos mais idosos. Os homens aproveitavam aquele convívio, trocavam entre si, uns goles de aguardente e vinho doce.
JOSÉ GAMEIRO