Quem Cabritos vende e Cabras não tem de algum lado vêm !!!
Era um trocadilho, ainda usado no dobrar do século passado.
Querendo fazer equilíbrios de conversa, e não entrar na descarada má língua, sobre o estilo de vida que alguém apresentava, o povo lá tinha as suas razões (sabedoria) para comparar quem nada tinha e, em pouco tempo dava volta a uma pobreza de anos, passando a ostentar um enriquecimento invulgar. Os terrenos próximos da vala real, eram local das nossas brincadeiras, tínhamos naquele tempo uma “riqueza” que era diária, onde entravam também cabras e cabritos.
Vou contar!!
Raro era o dia, em que não subíamos, os choupos, no terreno de Trás-de-Monturos, (agora Rossio da vila), afim de tirar folhas para a comida do rebanho das cabras do Ernesto “Cigano”.
Eu, como os irmãos Lapa (o Ernesto e José António, mais tarde conhecido pelo 18), o João Cardoso, o João José Cadório, o Manuel Carramilo, Vítor Diogo e outros mais pequenos, como o João Maria Fidalgo, enfim a memória de muitos anos já não dá conta de quantos eram. O grupo morava nos arredores e, alguns tendo a manhã livre da escola, tinham a “tarefa” de guardar as cabras, sendo substituídos pelos que da parte da tarde, estavam livres. O Ernesto “Cigano”, dava-nos uns cabritos, que eram o nosso encanto.
Andávamos com eles ao colo, dedicávamos um carinho especial àqueles pequenos animais, pois o seu pêlo muitas vezes variegado de cores, careciam de afagos e muitas carícias. À hora da mamada, com a apróximação da mãe, lá os punhamos no chão e, numa correria lá iam chupar as duas tetas até ficarem vazias.
O Ernesto "Cigano", nome pelo qual sempre o conheci, ainda jovem veio da Erra (Coruche), era negociante de cavalos. Da sua família, constava uma prol de seis filhos; 3 rapazes e 3 raparigas. Instalou os cavalos, num antigo barracão ali no cais da vala, onde mais tarde um exiliado da guerra civil de Espanha, também abriu uma taberna.
Seus filhos; O Fernando, seguiu as pisadas do pai, O Gilberto aprendeu o ofício de ferrador, na oficina do Manuel Caetano Doutor, em frente ao celeiro da vala, o António Isidro, passou a ser visto nas andanças de pegar toiros, em vários grupos de forcados.
Um dia o madeiramento do telhado do barracão ruíu, o Ernesto mudou de negócio e de habitação, foi morar numa pequena casa do edifício da falcoaria, de frente com a avenida, ainda empedrada com pedra de seixo.
Era aí, que guardava o seu grande rebanho de cabras, alguns bodes, e muitos cabritos, muitos deles com alguns dias de vida.
A taberna do Camilo Miguéis Martinez, era o local onde o Ernesto "Cigano", passava o tempo e os dias, entre as cartas e uns copos de vinho, pois entregava o rebanho ao rapazio que por ali brincava.
As cabras passavam a ser nossas, até o cão de guarda tudo fazia ao nosso mando, quando nascia um cabrito, ou uma cabra, entrava em trabalhos de parto, lá íamos todos até à porta da taberna do Camilo, numa gritaria: Senhor Ernesto, uma cabra está a parir !!
O homem, de corpo pesado, antes de deixar a mesa do jogo, pois seus parceiros da bisca, eram velhos barqueiros e pescadores, bebia o resto do vinho que ainda tinha no copo, enfiava na cabeça um já sebento chapéu, e vindo atrás de nós, num passo picado, dizendo: onde está ela, onde está ela. Essa desavergonhada !!!
Muitas vezes quando o cabrito, ainda não tinha nascido, ele dava uma ajuda, metendo as mãos nas entranhas da pobre cabra, que gemia a bom gemer, ali junto à pequena vala da pardaleira, pois só lhe apetecia beber água.
Acabada a tarefa do parto, limpava o pequeno animal, à erva fresca que ali existia, dando a comer à mãe o saco das águas, ou o saco parideiro, como ele dizia.
Logo a seguir, talvez uma meia-hora depois, a cabra-mãe, começava a lamber o pequeno filho e ali começava um amor que só uma mãe sabe dar aos filhos.
Tínhamos os nossos cabritos, muitos deles acabados de nascer e, lá andávamos com eles ao colo. Pois claro, eram nossos !!!
Era uma guerra diária entre nós rapazes, durante o dia tínhamos uma “riqueza” de cabritos, que o dono do rebanho, o sabidão Ernesto, resolvia ao cair da tarde, quando regressava a casa, já com uns bos copitos no buxo e no meio de alguns arrotos.
Com esta frase; olhem lá rapazes !! Os cabritos, vão com as mães, senão elas choram!
À manhã logo pela manhã estejam aqui e os “cabritinhos” continuam a ser de vocês todos. Era com esta “malandrice” que conseguia cativar a ingenuidade de quem lhe pastava o rebanho durante o dia, subindos os choupos, muitas vezes para lá chegar usava-se uns às cavalitas dos outros. Aqueles trabalhos, eram feitos com prazer, pois éra-mos felizes e ricos todos os dias. Como agora é belo recordar aquele tempo !
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Nota: A vala da Pardaleira, era a ligação com a vala real, das águas vindas lá das bandas dos Foros de Salvaterra, em tempo de chuvas de Inverno, agora ocupada com a construção da ETAR * O espaço do barração, no início do séc. XX, deu lugar a um edicio publico, construído pela câmara municipal.