Quarta-feira, 7 de Novembro de 2012

Mataram o "Lamdrú" de Salvaterra de Magos

Quando eu, era menino ainda encontrei na escola, o Mário Antunes. Era uma criança a puxar um pouco para o “malandraço”. Além de duas irmãs, tinha um irmão muito mais velho que já tinha o selo de malandrete, junto dos que com ele conviviam, no clube desportivo. O pai, António Henriques de Sousa Antunes, nasceu em Marinhais, veio a casar com a filha mais velha do conceituado comerciante e pequeno viti-vinicultor de Salvaterra de Magos, António Jorge de Carvalho. Logo que o António Henriques, se juntou à familia Carvalho, os que o conheciam bem, logo o acutilavam em surdina, “este já arranjou tacho”. No ano de 1947, Charles Champlim, interpertrou o papel principal no filme Monseiur Verdoux, inspirado na vida do francês Henri Désiré Lamdru, que ficou famoso perante a justiça francesa. Foi um filme mal visto nos EUA, pois na época era uma critica ao capitalismo. No entanto a Europa acolheu o filme com manifesta simpatia. Um dia o filme passou, no cinema dos bombeiros de Salvaterra de Magos. A população, a mais esclarecida, logo assemelhou a vida que António Henriques de Sousa Antunes levava, à de Henri Lamdru. De inicio em pequenos grupos, ao referirem-se a ele, chamavam-lhe o Lamdru. Depressa, aquele sinónimo, caiu na linguagem do povo, e assim passou a ser conhecido o António Henriques.

 

No meu tempo de escola, joguei muitas vezes a bola, no largo que dá acesso à fonte do Arneiro, representando o grupo da vala, em confronto com os rapazes que representavam a Falcoaria. Ali perto, existia uma linda casa apalaçada, que tinha umas construções anexas, serviam de moagem de farinhas do Lamdru. Aquelas instalações fabris, davam sustento a algumas familias da vila, pois ali laborava mais que um turno de trabalhadores. Já na minha juventude, comecei a aperceber-me melhor da vida ( pois ouvia muitas versões) do António Henriques “ O Lamdru”. Quem não falava, das suas peculiares formas de comercializar – andava de boca em boca do povo, até servia, para outras comparações maliciosas. Como por exemplo: Naquele tempo, logo após a II guerra Mundial, o povo rural, vivia em extrema pobreza, então iam noite dentro, às cearas do ” Lamdru” e de outros lavradores, encherem algumas sacolas de; fava, trigo, cevada, grão e outras culturas de sequeiro. Umas eram para governo da casa, outras vendiam às mercearias, e as que melhor interessavam vendiam à moagem.

 

De manhã, um fila esperava a abertura do escritório, lá estava o "Lamdru", que fazia o preço, ao produto e dizia aos vendedores – “Onde foram buscar este, vão buscar mais e venham cá trazer”. Era uma forma de fazer a colheita, sem trabalhadores e a baixo preço. Uma outra, não escapava no dia a dia da população. Como vitivicultor que era, um dia entrou em negócio com uma tipografia, para a feitura de rotulos para as garrafas do seu vinho. O tipografo, lá foi dando preços das quantidades e margens de comercialização, o ”Lamdru “, logo quiz acertar o negócio; - Faça tantos, até que seja de graça!....

 

Os anos iam passando, por volta de 1960 a vida do “Lamdru”, era uma incognita para os próximos que com ele conviviam. Sendo dono, tendo recebido através da mulher, uma grande adega no Largo dos Combatentes, também era proprietário de um edificio, que em parte ligava à antiga capela real, tempos tinha servido para um grupo de teatro da terra, conhecido pelos "Amarelos".  Nos anexos, para o lado Largo, existiu uma Taberna. No sub-solo do edificio da rampa da capela, por uma pequena janela, todos os dias ia saindo terra, que enchia uma atelado. Um pedreiro e um servente, lá iam construíndo uns depósitos para vinho.

 

Em 1963, no dia 6 de Março, tal como acontecia sempre o Ribatejano, era um espaço de encontro para as pessoas de melhores posses económicas de Salvaterra de Magos. Depois do jantar lá se entretinham no jogo do bilhar, cuja mesa estava no centro, ou bebendo o seu café. A imperial, também era muito bebida, era um copo de cerveja, agora muito em voga, acompanhada de um prato de tremoços (um pequeno pires cheio de leguminosas, cosidas e salgadas, que ofereciam, acompanhado aquela bebida).  A televisão já tinha entrado nos hábitos, do povo.          A hora do telejornal, o silêncio imperava naquele espaço de convívio, para se ouvir as noticias. Naquele dia, estava eu, naquele café, com o adiantar da hora, alguns clientes foram saíndo. No sossego da noite, dois sons, iguais a tiros, foram ouvidos na rua, lá para os lados da escola. Alguns clientes correram para o local e depressa verificaram que o António Henriques Antunes, tinha sido baleado,  próximo do seu escritório, e  onde dormia muitas vezes. O carro de um deles, transportou-o às urgências de Benavente, onde chegou já morto.

 

        "MATARAM O “LAMDRU”

 

A morte do “Lamdru”, passou a ser conversa obrigatória durante dias, semanas e meses. O tempo foi decorrendo e no inicio de Fevereiro de 1964, o reboliço instalou-se na vila, a policia e os intervenientes no crime, estavam no Largo dos Combatentes, para a recostituição de como decorreu o acto delituoso. O correpondente local do Jornal de Noticias, José Teodoro Amaro, fez saír no dia 5, a noticia seguinte:

 

  PRESOS OS ASSASSINOS DO INDUSTRIAL DE SALVATERRA DE MAGOS

 

“ SALVATERRA DE MAGOS – Após aturadas investigações, que duraram cerca de onze meses, pela policia judiciária, da secção de Lisboa, foram descobertos os assassinios do crime que vitimou o industrial de Salvaterra de Magos,António Henriques de Sousa Antunes, no dia 6 de Março do ano passado, pelas 23 horas, nesta vila ribatejana. Os autores do crime, são dois individuos da povoação próxima de Salvaterra, Benfica do Ribatejo, e assalariados do genro da vitima, e conhecidos, um por Serralha, e o outro por Cadela-Cão. Transportados ao local, em carro próprio do patrão, esperaram algum tempo junto a umas escadasda escola, no Largo dos Combatentes. Com a reconstituição no local do crime, a que o Tribunal de Coruche mandou efectuar, mais se soube, que um outro individuo esteve próximo de ser abatido, pelas semelhanças,aparentadas com a vitima, só o salvando por ter saído de um café próximo do local, e terem a informação que a vitima viria de carro, e talvez fosse para o seu escritório. Com a chegada do António Antunes dirigiram-se a ele, fazendo a pergunta pela venda de animais, que o patrão deles fizeracom o industrial de Salvaterra, também conhecido por toda a população por “Lamdrú”. Após os tiros, que vitimou o sogro do Raposo, fugiram por uma estrada de campo até à EN 118, onde esperaram pelo patrão, que chegou à hora aprazada, pois interrompeu um jogo de cartas no clube da terra, pois seria o seu alibi, onde se encontrava à hora do crime. O genro do industrial, António Antunes, mandou abater este em virtude das más relações que se vinham verificando, pelas dividas do Raposo com o sogro. – (C)”

 

Nota do autor: O Individuo que poderia ser abatido por engano, era Octaviano da Silva, funcionário da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos.

 

Fotos: António Henriques Sousa Antunes - foto Revista a "Hora" 1939 * Casa Apalaçada, mandada construir por António Jorge de Carvalho * Edificio, onde se pode ver as janelas, por onde saiu a terra e foram construídas os depósitos * no lado direito a casa pequena, era o escritório * Na escola, lado direito, as escadas local de espera, para os assassinos - Fotos do autor 

 

JOSÉ GAMEIRO

publicado por historiadesalvaterra às 15:22
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