Quarta-feira, 16 de Abril de 2008

UMA GALINHA PARA DOIS, QUE ERAM TRÊS E AINDA SOBROU GALINHA!


 

O século XX, estava a meio, quinze anos já tinham passado, mas ainda se falava do assunto, quando vinha à baila qualquer referência à fome que grassava em muitas casas da vila de Salvaterra de Magos.  Por volta de 1935, Carlos Torroaes, filho do empresário de transportes públicos de passageiros, da vila, era muito conhecido pela forma pitoresca de contar as suas diabretes    Esta é uma delas:

Um dia teve necessidade de se deslocar a Lisboa, para a necessária mudança do alvará que a familia possuía, pois tinha ao serviço duas Diligências; uma  para Vila Franca e uma outra até à estação dos caminhos de ferro, em Muge.   A que levava e recebia passageiros de e  para VFXira, era servida pelo pontão do Cabo, que atravessa o rio Tejo, com a estação dos  Caminhos de Ferro mesmo ali defronte.
Estávamos na éra das viaturas mecanizadas e, um pequeno carro de 12 lugares, foi adquirido e passou a transportar os passageiros com ida de manhã e regresso à tarde.
Em Lisboa, na Repartição do Estado já depois dos problemas resolvidos, convidou o funcionário que o atendeu (pela fala dava mostras de ser nortenho) se aceitava um almoço em Salvaterra, em pelo Ribatejo.   Este de imediato aceitou, mas que seriam dois, pois fez questão de apresentar um outro colega. 
Manhã cedo no dia aprazado, a manhã ainda estava luz-fusco, Carlos Torroais, lá estava no Pontão do Cabo, numa Charrete tirantada a um cavalo, esperando os seus convidados.
 Na vespera, tinha organizado com a esposa, o  repasto para os convidados, seria uma galinha, daquelas que existiam na capoeira dos pais. A sobremessa, uns doces feitos por sua mãe.  A fruta, melão daqueles que, um amigo de Muge, lhe oferecera uns dias antes, por lhe ter ajudado a preencher um requerimento na câmara municipal. O vinho doce e tinto, seria da adega do tio Virgolino José Torroaes.   Quando da chegada dos dois convidados, apressaram-se nos cumprimentos habituais e, na informação como tinha decorrido a viagem no comboio, Lisboa-Vila Franca. 
 Foi-he pedido desculpa, mas apresentava-se mais um colega, convidado na véspera por eles.   A viagem até Salvaterra foi iniciada, o cavalo em marcha troteada, percorria a recta do cabo, pela estrada empedrada.   O campo apresentava-se nos dois lados, separado por uma vedação de arame e, por  por duas pequenas valas que corriam ao longo do trajecto, transportando um pequeno fio de água, naquela época do ano.  Ali próximo da Ermida de Alcamé, já alguns ranchos de homens e mulheres ceifavam o que restava das cearas de sequeiro, especialmente trigo.
 
 Algumas manadas de gado bravo, vigiadas pelos campinos, chegavam-se até às valas, afim de se sedentarem, pela noite passada ao relento.  A viagem correu, sem grandes sobressaltos, pelos campos da Lezíria, era uma novidade para aqueles viajantes. 
Chegados ao caminho que os levaria da Fonte das Somas, pelo Convento até Salvaterra, Carlos Torroais, da algibeira do colete retirou o relógio, e vendo que eram apenas 8 horas da manhã, mudou de direcção e seguiu viagem para os lados da Aldeia do Peixe, rumo aos Foros de Salvaterra.   Algum tempo depois, chegados à taberna  do João da Horta, já seu velho conhecido, apresentou-lhes  tão ilustres viajantes.
 
 Depressa, o João da Horta, passou a convidante e serviu sem cerimónias, um petisco, à base de carne de porco assada, acompanhada com um bom vinho das terras arenosas dos Foros.  Perto de uma hora, demorou a pequena refeição e   retomada a viagem, a comitiva  acenava com os chapéus, em resposta a alguns grupos familiares que, nas suas terras faziam tarefas de pequena agricultura, aproveitando o domingo. 
Uma nova paragem foi no Estanqueiro, na taberna local, foram convidados para apreciarem um petisco.  Uns chouriços caseiros, cortados às rodelas, acompanhados com pão aquecido no forno e um vinho branco, retirado de um garrafão que estava no fundo do poço a refrescar. 
 
Os viajantes, estavam deslumbrados com tal recepção, a viagem continuou a caminho das Buinheiras, dos Freires, eram quase 11 horas, o caminho de areia ladeado por valados que o estreitavam, faziam com que várias familias num lado e de outro, estivessem quase juntas nos afazeres das suas terras. 
Os acenos continuavam, o entusiasmo era de grande alegria na comitiva, ali próximo das terras da Alogoa, o chefe de uma familia conheceu o Carlos Torroais, pois era a ele que recorria quando precisava de alguma coisa nas repartições públicas na vila. 
A paragem foi inevitavel, apresentados os viajantes, logo todos foram convidados para pestiscarem na casa mesmo ali próximo, com uma latada de vinha que sombreava a casa. 
Aceite o convite, a familia composta pela mulher e mais duas filhas ainda moças e um rapaz, acabado de chegar da vida militar havia três semanas, desdobrvam-se em simpatias, perante tão ilustres visitantes, em casa.
 Foi aproveitado para desengatar o animal, e dar-lhe  de comer e de beber um balde de água fresca, que foi retidada do poço!
 
Uma  mesa foi preparada, debaixo da sombra de uma grande amoreira. As moças, serviram sopa de carne de porco, estava quente dentro do tripé de ferro, na chaminé em lume brando, alguma carne que estava na salgadeira havia três dias, pois tinha-se morto o  porco da engorda da primavera foi assada. Um jarro com bom vinho tinto, retirado da adega,  acompanhou o repasto.  Depois foi servido algumas fatias de melão. 
 
Após a refeição e, já muito alegres os convidados, davam mostras de algumas aptidões em cantorias.  Tal situação, deu azo a que o jovem, sendo bom tocador de gaita de beiços, logo tocou uns viras, músicas da região ribatejana.  Eram 3 horas da tarde, foi retomada a viagem, através das Buinheiras, a caminho do Paul de Magos.
Nova  paragem, ocorreu na taberna do Paúl, um lanche foi oferecido pelo dono da tasca, umas postas de Atum (embebido em azeite numa barrica), foram postas no balcão, um pão grande (cozido na véspera) e, um jarro de barro com vinho branco, foi mais tarde acompanhado de uma prova de melões que se encontravam numa parga,  (em pirâmide), debaixo de uma árvore, esperando comprador.
 
Um dos convidados, olhava constantemente o relógio com corrente, que tinha na algibeira do colete, no entanto não deixava de participar nas anedotas que o grupo ia contando, até porque uns clientes também entraram na roda dos dischotes.
Já a caminho de Salvaterra, cantarolando de contentes pelo dia bem passado no Ribatejo,  chegaram à vila, na rua do Pinheiro, junto à casa da familia do Torroais, onde um pequeno grupo de vizinhos, fazia companhia na espera e das preocupações, pois eram já cerca das 6 horas da tarde e, a chegada estava prevista para as 9 horads da manhã.
 
Todos os convidados, dando mostras de algum nervosismo, muito agradeceram a oferta, e o dia inesquecivel, mas insistiram na viagem de regresso a Lisboa.
O cavalo lá voltou a trotear, o comboio, não esperava...!
 
 
JOSE GAMEIRO
 
 
publicado por historiadesalvaterra às 18:49
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